segunda-feira, abril 05, 2004

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O Zé FRANCISCO veio estudar para
Lisboa, muito jovem, e desde logo,
revelou um talento muito especial
para a escrita, sobretudo , para
a prosa. Com 17 anos já escrevia
para o Jornal do Alentejo saborosas,
e por vezes polémicas crónicas. Estou
a lembrar as que levantaram a questão
do verdadeiro local da Batalha de Ou-
rique.
A Avó FELICIDADE LÚCIA, que muito
orgulho tinha no seu neto "que es-
crevia tão bem", guardou religiosamen
te , dois recortes de 2 dos artigos , que
ele publicou , no ano de 1972.
Graças à ALICE, que os recuperou,pu-
blicamos hoje o primeiro dos dois, pro-
metendo para muito breve a outra Cró-
nica , também de grande qualidade..
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CRÓNICA.
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...SINCERAMENTE
.
Quem conhece o Alentejo das Planícies?
Quem passou fome por entre charnecas (agora aramadas)? Quem ouviu o cantar fresco de moças roliças quando vão para o poço?
Quando comes um pão de leite ou uma tosta mista reforçada, acreditas que quem lançou e arrancou a semente à terra está roendo pão de semanas com toucinho velho ou azeitonas?
Já viste suar um cavador que em alvercas fundas vai derramando sonhos? Já viste lavrar terra de bronze onde pés de ganhões esmagam torrões de aço? Já entraste em casas sem solo onde em camas de pedra se deitam irmãos teus? Já viste mulheres eternamente prenhas mergulhadas em rios de gelo a lavar roupas brancas de leitos fofos? Já sonhaste com pastores tristes isolados do mundo beijando cabritos assados por sóis cruéis? Já limpaste o rosto queimado de ceifeiros tostos em restolhos pardos? Já beijaste mondadeiras frias como a geada que queima searas que são pão teu? Já viste homens pegando servilmente o chapéu quando cumprimentam seus iguais? Já sentiste o calôr abafado que torra crianças analfabetas? Já viste homens desconfiados dos chaparros por nada terem para sonhar? Já afagaste o pêlo assovelado de cães-macacos magros da pobreza e do trabalho? Já respiraste o vapôr do café preto na mesa dos pobres? Já lançaste a tua mão branca a um povo que a cantar manifesta o labirinto-sorte donde não consegue fugir-se?
Então...