segunda-feira, novembro 10, 2008

VII JORNADAS DA ORALIDADE,TRADIÇÃO E PATRIMÓNIO

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DECORRERAM COM O BRILHO ESPERADO
AS VII JORNADAS DA ORALIDADE,
TRADIÇÃO E PATRIMÓNIO, EM
CASTRO VERDE



Publicamos hoje a intervenção de J.F.COLAÇO GUERREIRO,
integrada no programa das "Jornadas" e subordinada ao tema:

PROGRAMA PATRIMÓNIO – Dar Vida ao Imaterial

"No final da década de setenta, um forte movimento cultural percorreu mundo e varreu o nosso país de lés a lés.

Por aqui e por todo o lado despontaram consciências, ergueram-se vontades e consolidaram-se iniciativas tendentes a defender, divulgar e dignificar o nosso património natural e cultural. Deste movimento e com esta dinâmica, revolucionou-se o conceito geral de património, dando-lhe outro corpo e outro suporte teórico que passou a incorporar uma parte substancial da nossa memória colectiva até então praticamente desprezível .

Dentre os valores culturais, apenas tinham mérito para salvaguarda, o rico património construído e o património arqueológico pela sua grandeza ou raridade , sendo de valia quase nula tudo quanto representasse a sedimentação da vida das gentes mas que a partir daí ganhou notoriedade e dignidade igual , passando os nossos usos e costumes e toda a oralidade que nos identifica a ter outra estima como património imaterial.

Dentro da nova lógica de olhar e sentir a realidade cultural envolvente e de viver as coisas da tradição, criou-se aqui em Outubro de 1979 um “Grupo de Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural do Concelho de Castro Verde”, o qual em Abril de 1981, deu origem à “ Castra Castrorum – Associação de Defesa do Património Natural e Cultural do Concelho de Castro Verde” .

No âmbito da sua actividade, esta associação despoletou iniciativas várias de cariz etno- musical que vieram a originar o Grupo Coral e Etnográfico “ As Camponesas” de Castro Verde e a criação de uma escola de cante infantil os “ Carapinhas de Castro Verde”.

Passados anos, já nos finais da década de oitenta, novo movimento cultural fez-se sentir no país, desta feita dando origem ao surgimento das “rádios pirata” que como cogumelos apareciam, dando voz e visibilidade a projectos locais de informação e cultura.

Também em Castro Verde, vivemos esta mesma experiência e aqui criámos a Rádio Castrense.

E foi na foz, onde estas duas correntes desaguavam que se criou espaço, ambiente e fôlego para o surgimento em Maio de 1987 da Cortiçol- Cooperativa de Informação e Cultura, CRL, hoje proprietária da Rádio Castrense.

Dentro desta convergência de vontades e de sensibilidades também, o Departamento Cultural da Cortiçol começou por fazer uso imediato do meio extraordinário de comunicação ao dispor e idealizou e produziu um programa de animação e de divulgação dos nossos valores culturais mais profundos, os tais que constituem o grande acervo que é o património imaterial.

Inicialmente designado por “ Arco da Velha”, este mesmo programa passou a chamar-se “Património” em 18/9/1989.

Com um formato de entrevistas de exterior e de convidados em estúdio, o “ Património” desenrolava-se inicialmente pelo espaço de duas horas que mais tarde se alargaram a três, agora vividas às quintas feiras entre as vinte uma e as vinte e quatro horas e depois em repetição, aos domingos das oito às onze horas.

Damos a palavra a quem conta histórias, a quem canta, a quem diz adivinhas, aos poetas populares, aos grupos corais e também aos tocadores dos mais variados instrumentos.

No nosso querer e no imaginário de quem nos ouve, o “ Património” é um serão num mundo rural, a reinvenção das noites passadas em casa de amigos, falando e sentindo o nosso estar colectivo.

A componente dos afectos é enorme e no património confluem de forma genuína as alegrias mas também os cuidados com a sorte e a saúde da grande roda de amigos.

E a magia do programa foi alcançada quando deixámos de fazer exteriores, quando deixámos de procurar a realidade no campo e o campo passou a vir , pelos seus meios, via telefónica, encontrar-se connosco.

Os vizinhos voltaram a juntar-se para ouvir e participar no “ Património”. Os pastores quebram a solidão escutando e ligando para o programa. Lembramo-nos do “Grupo da Malhadinha”, que as quintas juntava maiorais e amigos numa cabana, em campo aberto, para comer e beber, mas também ouvir e participar com temas variados.

Destacamos agora o “ Grupo dos Invisuais” que estabelecendo entre si uma rede, fazem participações de acordeão, cante e poesia a partir de pontos distantes do país.

Mas , sendo a cultura um factor de coesão das gentes, o “Património” sabe e sente que tem contribuído para que a nossa identidade esteja fortalecida, repetindo ate à exaustão que devemos dar toda a atenção à nossa forma de ser e de estar, valorizando cada vez mais o que nos pertence.

Com os anos, a empatia dos nossos ouvintes com o programa e o nosso património imaterial, é crescente. Temos um auditório vasto mas mais do que isso, temos ouvintes que não se limitam a sê-lo simplesmente. São agentes culturais activos, interventores, gente que não coloca reservas em ligar para dizer poesia, tocar ou cantar, em directo e para toda a gente.

Com o “ Património “ fizemos actores e amantes da nossa oralidade. Demos orgulho aos poetas. Divulgamos e damos estima aos nossos grupos corais.

Mas , a valia maior do nosso programa foi termos “ descoberto” a viola campaniça e subsequentemente os cantes a ela ligados, como o despique e baldão que a Cortiçol depois soube acarinhar e divulgar.

Foi na Rádio Castrense que a viola campaniça recuperou o vigor perdido havia décadas. Foi no “ Património “ que os cantadores de despique e de baldão voltaram a ganhar distinção como interpretes do repentismo.

Ainda hoje , apesar da viola campaniça e destes cantes de improviso serem já uma verdade do presente, é no “ Património” que continua a soar todas as semanas o eco dos seus trinados e das suas cantigas.

Que a roda de amigos se acrescente, apesar dos muitos que vamos perdendo levados pela morte, é o maior desiderato deste espaço da telefonia, que há vinte anos reinventou o vivenciar colectivo em torno das palavras e das sonoridades que nos pertencem, porque sabemos ser esse o suporte melhor para dar futuro ao nosso passado colectivo."

J.F.COLAÇO GUERREIRO